“Não é sobre a criança ser o erro. É sobre o erro que ela cometeu”
Especialista em educação parental compartilha dicas simples que podem fazer toda a diferença na convivência com crianças e adolescentes

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Filhos não vêm com manual de instrução, mas os pais podem adotar estratégias para tornar mais fácil e eficaz a nobre (e nem sempre fácil) tarefa de educar.
Para ajudar pais e educadores, a reportagem do Nosso Bem Estar foi conversar com a educadora parental e facilitadora de Comunicação Não Violenta e Justiça Restaurativa Danielle Peres Toigo.
Nesta entrevista ela fala sobre críticas, elogios, encorajamento, reconhecimento e escuta. De forma simples, a educadora ensina aos pais uma série de abordagens que podem fazer toda a diferença no resultado.
NBE – Quais os reflexos de críticas constantes na individualidade e socialização de crianças?
Danielle Toigo - Existem vários estudos que comprovam o impacto negativo de uma educação com muitas críticas, regras rígidas, humilhações, sermões, punições, ou até mesmo comparações para fazer com que os filhos se comportem da maneira "correta" (segundo a perspectiva dos pais). Elas provocam traumas emocionais e isso, em geral, tem uma correspondência no cérebro, inclusive impacto na capacidade de autorregulação emocional.
Crianças submetidas a críticas constantes geralmente se tornam adultos com maior propensão à depressão e ansiedade, costumam ser mais autoexigentes e menos compassivas consigo mesmas, ou seja, se impõem padrões rigorosos e costumam se maltratar diante dos próprios erros.
Alguns componentes podem influenciar e até amenizar, como, por exemplo, a convivência com outros adultos amorosos com os quais a criança conviva, além de outros contextos mais ou menos favoráveis. Mas de maneira geral, a crítica constante pode ter impactos negativos na autoestima, insegurança, autoexigência e desconexão dos próprios sentimentos. No futuro, pode até influenciar o uso de substâncias psicotrópicas e/ou gerar maior suscetibilidade para desenvolver transtornos mentais, como ansiedade e depressão.
Todos esses fatores também impactam a socialização de crianças na infância e na vida adulta.
NBE - Para cada crítica cinco elogios são necessários. Procede isto?
Danielle Toigo - Eu não entendo assim. Até porque seria algo engessado e provavelmente artificial. O que eu entendo é que as crianças precisam ser vistas, cuidadas, estimuladas em seu desenvolvimento. Quando houver uma crítica a ser feita, que se fale sobre o comportamento e não sobre o que a criança é.
Por exemplo: "Seu quarto está desorganizado. As roupas estão em cima da cama e os materiais escolares espalhados. Por favor, organize isso antes de dormir". (aqui está falando sobre os fatos observáveis e um pedido é feito, o que é adequado e não humilha ou constrange a criança/adolescente).
Bem diferente do que dizer: "Nossa, você não tem jeito! Não sei mais o que fazer! Você é muito porco mesmo, olha essa bagunça e sujeira!" (aqui a crítica está voltada para a pessoa e tem um impacto negativo).
São coisas muito diferentes! Quando rotulamos e julgamos a pessoa e não seu comportamento, estamos sendo violentos, porque a reduzimos ao que não gostamos nela.
NBE – Você considera o elogio fundamental?
Danielle Toigo - Nas abordagens que estudo, entendemos que os elogios podem ser gostosos de receber, mas tem uma pegadinha aí. De alguma maneira, o elogio informa aquilo que nós queremos, nós gostamos. É uma forma de motivar, mas ainda envolve um resultado, a necessidade do outro ou mesmo um rótulo.
Então, o que recomendamos é que se façam encorajamentos ou reconhecimentos, que são diferentes dos elogios.
Os reconhecimentos celebram aquilo que o outro fez e que tornou melhor, mais leve, ou mais bonita a vida, as relações. Desta forma, eu posso reconhecer o esforço da criança, independente do resultado.
O encorajamento é inspirar com coragem. Eu vejo a criança, acredito nela, no seu potencial. Encorajamento cabe tanto em um momento bom quanto diante de um erro ou dificuldade.
Elogios só cabem diante do sucesso, do bom desempenho.
NBE – Isto vale para os adultos também?
Danielle Toigo - Muitos adultos com os quais trabalho sentem que nunca está bom, se sentem uma fraude, têm dificuldade em acreditar em seu próprio potencial. E sofrem muito por isso. São pessoas que experienciarem muitas críticas, negligência, punições. Isso deixa marcas.
NBE – Como fazer uma crítica de forma construtiva com as crianças?
Danielle Toigo - As crianças precisam ser vistas, notarem que os adultos se importam com elas, que elas podem ser quem são. Podemos falar sobre o comportamento, o que entendemos que pode melhorar e por quê. Devemos direcioná-las, porque elas estão se desenvolvendo, aprendendo. E nós somos os adultos, as pessoas que já caminharam mais tempo aqui e que podem servir de modelo.
Nossa cultura ainda vê o erro como algo muito ruim, passível de punição. Entendemos que devemos punir crianças para ensiná-las a se comportar. Elas estão aprendendo. Podemos também aprender a lidar melhor com os erros e entender que só não erra quem não faz nada ou quem não está vivo. Erros são oportunidades de aprendizado. Entendo que esse é o primeiro ponto importante.
Depois, ao fazer uma crítica, ou orientação, falar sobre como o comportamento dela pode impactar o outro, sobre as regras que existem ou sobre o que está relacionado com o que precisa ser assinalado. Não é sobre a criança ser o erro. É sobre o erro que ela cometeu. São coisas diferentes. Geralmente misturamos tudo.
NBE - Adolescentes são mais sensíveis às críticas? Como proceder com eles?
Danielle Toigo - Adolescentes vivem um processo de intensa transformação. Seu corpo mudando muito rapidamente, de um jeito que às vezes fica difícil de se reconhecer. Sentem muitas inseguranças e, ao mesmo tempo, necessidade de pertencimento com seus pares. Não são mais crianças, mas também não tem todos os poderes e liberdades dos adultos.
Os pais também ficam perdidos, tentando se localizar com as novas demandas. Adolescentes estão indo para o mundo e se afastando de seus pais, tentando descobrir quem são. O cérebro também está se transformando e há um aumento da impulsividade, da agressividade, que são naturais. Estão lidando com muitas coisas ao mesmo tempo, há uma sobrecarga, um sofrimento.
Na minha opinião, os adultos precisam aprender a ouvir mais os adolescentes do que falar, dar sermões. Precisam aprender a fazer perguntas ao invés de dar comandos, ordens. Na minha experiência, os adolescentes são muito abertos a ouvir e contribuir com adultos que os valorizam e respeitam.
Não entendo que eles sejam mais sensíveis às críticas, acredito que eles vão manifestar mais seus desconfortos e contrariedades, quando houver um ambiente favorável para isso. Se não houver, eles também podem se rebelar ou mesmo se submeter, mas não sem um custo emocional.