Na presença do outro, tenho notícias de mim
A primavera vem nos convidar para sair da toca, das telas e retomar as experiências presenciais que dão muito mais sentido à vida

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Se o inverno é tempo de recolhimento e reflexão, a primavera é renascimento e conexão entre os seres vivos e o planeta. A retomada do movimento de expansão acaba por inspirar a todos nós que também somos parte desta natureza que se renova.
Temperaturas mais amenas, flores, cores e perfumes nos convidam a ocupar as ruas, praças e espaços onde - para além da casa e do trabalho - podemos encontrar amigos ou estabelecer novas relações.
O espaço público fortalece as comunidades, redes de apoio e cooperação mútua. Quem não recorda dos sofrimentos que o necessário isolamento da pandemia causou? E pior: em parte por conta dela, e também pelas facilidades que as tecnologias nos proporcionam, é possível dizer que nos acostumamos com a reclusão. Não precisamos sair de casa para fazer as compras do supermercado, ir ao banco, ver filmes e até trabalhar.
O conforto que o mundo digital nos oferece acabou por se transformar em nosso próprio algoz.
De acordo com o renomado Dr. Dráuzio Varella, quando deixamos de encontrar os amigos, não estamos apenas prejudicando a nossa vida social, mas também a nossa saúde física e mental.
Inúmeros estudos científicos já comprovaram que, com o passar do tempo, a solidão pode acelerar o declínio cognitivo e o risco de demências. Nem o argumento de que as redes sociais e aplicativos de mensagens são capazes de substituir os encontros reais se sustenta. A ciência já evidenciou que o cérebro percebe de maneira distinta as interações presenciais, das virtuais.
É fato que na vida adulta manter ou estabelecer novas amizades é mais complexo do que em outras fases da vida - como a infância, adolescência e vida acadêmica - em função de diferentes fatores, como casamento, filhos, trabalho exaustivo, mudança de cidade e tantos outros.
E é justamente por conta disso que os grupos formados por pessoas com interesses comuns vêm crescendo a cada dia. É o caso dos clubes do livro, grupos de corrida, de dança, das festas 50+, dos corais e cursos de arte, para citar alguns exemplos. Mais do que uma atividade coletiva, o interesse compartilhado proporciona o chamado senso de pertencimento.
O Terceiro Lugar
Esses espaços de interação informal são o que o sociólogo americano Ray Oldenburg chamou de “terceiro lugar” em seu livro "The Great Good Place ", de 1989. O terceiro lugar não é o lar (o primeiro) nem o trabalho (o segundo), mas um ambiente físico que oferece aconchego e convívio mesmo entre desconhecidos, como as cafeterias, bares, praças e tantos outros.
Para Oldenberg, precisamos revigorar o “terceiro lugar” como espaço de camaradagem, risos e debate. Precisamos rever nossos amigos e vizinhos e estar perto de pessoas que não conhecemos.
O “terceiro lugar” está no centro da nossa busca por uma maneira melhor de viver.
A praça como sala de estar
A Praça Macedônia – na Zona Norte de Porto Alegre – é um exemplo perfeito do que o sociólogo Ray Oldenburg chama de “terceiro lugar”. Lá, de forma espontânea, uma comunidade de tutores de cachorros vem provando que é possível estabelecer novas amizades a partir de interesses comuns.
Essa turma, que diariamente leva seus pets para passear, acabou por estabelecer vínculos genuínos que hoje incluem churrascos nos finais de semana, aniversários e happy hour. Tudo organizado de maneira descomplicada, via grupo de whatsapp, mas com muito capricho.
Foto: Valesca Fonseca Dias
Segundo Elisabete Tubino – que também é Prefeita da Praça – os clássicos horários de passeio com os pets aproximaram os tutores que, assim como os bichinhos, também aproveitam para relaxar e se relacionar.
“O grupo vai mudando constantemente, uns saem, outros chegam, mas temos os que estão há bastante tempo”, conta Bete. E todos se preocupam em manter um local agradável, com pallets transformados em bancos, água fresca para os cães e plantas decorativas. Um lugar de pertencimento, novas conexões e, o que é melhor: de graça.
Cérebro distingue o presencial do virtual
Para o psiquiatra, Doutor em Bioquímica e um dos criadores do Brain Congress (Congresso do Cérebro, Comportamento e Emoções), Pedro Lima, não há dúvidas que os encontros presenciais provocam experiências totalmente distintas das estabelecidas via redes sociais e outras tecnologias digitais.
Segundo ele, o cérebro não reconhece a interação virtual como uma vivência completa, como é o caso, por exemplo, dos namorados que se relacionam à distância, seja por vídeo, áudio ou mensagens. É claro que nesta, e tantas outras situações comuns às pessoas que moram distantes, as tecnologias são extremamente úteis, já que amenizam a saudade e encurtam as distâncias. Entretanto, elas não substituem a potência, a entrega e a profundidade dos encontros presenciais.
“O ser humano é uma espécie social que forma grupos, famílias e cidades. Nascemos dependentes de cuidados e ensinamentos e, por conta disso, desenvolvemos estruturas cerebrais intrinsicamente ligadas a essa relação social. Isso nos levou a sentir um enorme prazer no convívio com outras pessoas e, da mesma forma, um grande sofrimento pela falta dele. Essa é a nossa natureza humana e, biologicamente, o cérebro não mudou desde que a nossa espécie existe. A internet e suas ferramentas são fenômenos recentes, mas o cérebro é o mesmo”, explica o psiquiatra.
Para exemplificar as diferentes percepções, Lima cita as conhecidas brigas e xingamentos na internet. Segundo ele, atrás de uma tela, a agressividade é aflorada porque o cérebro não entende com clareza que do outro lado existe uma pessoa, ao passo que, se colocadas frente a frente, o comportamento é absolutamente distinto.
“Eu também costumo questionar o que leva um indivíduo a enfrentar deslocamentos, trânsito engarrafado e uma fila enorme só para assistir a um show, ao passo que poderia acompanhá-lo no conforto de sua casa? A resposta parece óbvia: a intensidade da experiência.”, afirma.
De fato, não há a menor graça em ver o vídeo da festa. O bom mesmo é estar na festa.
A dança da vida e do encontro
Você não precisa saber dançar ou dar passos mirabolantes para participar de um grupo de Biodança. Ao contrário: aqui, os padrões estéticos não importam, o que vale é a expressão genuína das emoções.
Criada pelo psicólogo chileno Rolando Toro, a Biodança é uma metodologia de desenvolvimento humano que utiliza a música, a dança, o canto e o encontro em grupo para estimular o autoconhecimento, a expressão emocional e a conexão consigo mesmo e com a natureza. Uma atividade exclusivamente presencial que, através do movimento, propõe o equilíbrio entre corpo, mente e emoções. É do criador deste método a célebre e instigante afirmação: “na presença do outro tenho notícias de mim”.
Autoestima
Há 15 anos trabalhando com Biodança, o facilitador didata Constantino de Freitas vem desenvolvendo um trabalho que tem auxiliado inúmeras pessoas a reconquistar a autoestima, criar vínculos e redes de apoio. Entre os grupos que atualmente Constantino conduz no sul de Santa Catarina – em cidades como Tubarão, Braço do Norte e Termas do Gravatal, onde é diretor da Escola de Biodanza das Termas.
Um destes grupos foi criado em parceria com a Associação dos Pensionistas, Aposentados e Idosos de Tubarão (APAIT), provando que a prática não tem limite de idade. “É muito gratificante reunir estas pessoas que saem de casa para dançar a vida e se entregar a uma vivência intensa de conexão com o outro e consigo mesmas”, resume Freitas.
Foto: Divulgação Escola de Biodanza das Termas
Ele destaca, também, que em Braço do Norte, município a poucos quilômetros de Gravatal, a Biodança faz parte das Práticas Integrativas Complementares em Saúde (PICS) oferecidas pelo SUS de forma gratuita.
“São encontros semanais que acontecem no Centro de Educação em Saúde de Práticas Integrativas (CESPI) e que vêm mostrando excelentes resultados na prevenção e recuperação de doenças, especialmente as mentais. A Biodança faz parte desta proposta de cuidado integral do ser humano, estimulando o autocuidado que é fator fundamental para a qualidade de vida”, explica o facilitador de Biodança.