O pão nosso de cada dia

Consciência beneficia a qualidade de vida

Redação NBE

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06/12/2020
O pão nosso de cada dia Adobe Stock/NBE

4 min de leitura

Por Alberto Bracagioli Neto*

O sistema agroalimentar moderno, mudou muito em sua forma de produzir o trigo e também de fazer o pão. Segundo o cardiologista Willian Davis (veja o livro Barriga de Trigo), o pão produzido atualmente acaba por trazer uma série de malefícios para saúde, Isto porque a forma de produzir o trigo é resultado da hibridização para aumentar o glúten. Sofre um processo de moagem e panificação industrial e, por vezes, tem apresentado contaminação com o herbicida glifosato, alergênico e cancerígeno. O que ocorre com o trigo é o mesmo que vem ocorrendo com grande parte do cardápio moderno, que acaba estruturado em conformidade com os sistemas de produção contemporâneos.

O império alimentar comandado por indústrias, redes de supermercados e empresas comerciais distanciam, cada vez mais, o consumidor do produtor. Nos Estados Unidos, por exemplo, o produto percorre em média 2.100 km até o consumidor final, enquanto que os produtos importados se distanciam em até 4.500 km entre o local de produção e o de consumo. Dados similares também ocorrem aqui no Brasil.

Estas distâncias impactam nas perdas dos produtos e na necessidade de ultraprocessamento dos alimentos, além de resultarem em altos custos de logística, energéticos e ambientais. Para manter os consumidores atrelados nesse sistema, são criadas campanhas de marketing a fim de que sejam desenvolvidos novos hábitos alimentares, alicerçados nos interesses destas empresas.

O produtor fica cada vez mais no anonimato, muitos hábitos culturais e alimentares são perdidos ou esquecidos e, como consequência, ocorre a fragilização dos sistemas ecológicos e culturais, a padronização dos produtos, a fragilidade do sistema alimentar e o empobrecimento de muitos agricultores.

Mulher pensativa segurando uma bandeja com diversos pães

Virada pela qualidade

Contrapondo-se a este movimento gradativamente tem se afirmado uma virada pela qualidade (quality turn) , aumentando a consciência sobre por quem, como e onde foi produzido o alimento. Esses sistemas alimentares alternativos têm procurado criar outras visões e valores para os alimentos, enaltecendo os gostos e saberes regionais, parte deles integrantes da memória afetiva de determinadas populações.

Essas ações tendem a estar articuladas no território, aproximando consumidores e agricultores e estabelecendo laços comerciais, afetivos e de troca de informações sobre as propriedades nutricionais e medicinais dos alimentos.

A busca pela qualidade de vida também passa a valorizar a produção agroecológica, resultando na melhora da saúde dos agricultores e dos consumidores e também das nossas águas, ar e território. Essas iniciativas têm sido implementadas através de Feiras Orgânicas, grupos de consumo, cooperativas de consumo e sistemas de entrega de cestas e produtos ao consumidor. Esses circuitos curtos de produção e comercialização também estão presentes em políticas públicas como é o caso do PAA- Programa de Aquisição de Alimentos e PNAE- Programa Nacional de Alimentação Escolar.

Os sistemas alimentares alternativos trazem uma revalorização de determinados produtos, como é o caso do queijo serrano e das plantas alimentícias não convencionais (PANCs). As PANCs buscam valorizar plantas pouco conhecidas, mas que têm grande valor alimentar. Estimativas indicam que existem 35 mil espécies com potencial comestível, porém nosso cardápio atual é oriundo de apenas 20 espécies. Essa forma de valorizar o nosso alimento não olha apenas o preço, mas sim a qualidade e a conexão com a preservação da rica agrobiodiversidade do nosso país, valorizando as paisagens e os agricultores que, além de produzirem comida saudável, preservam o patrimônio cultural e ambiental.

Segurança alimentar

Um caso recente ilustra bem a importância da produção local na perspectiva da segurança alimentar. Durante a greve dos caminhoneiros em 2018, os sistemas de transporte e de logística brasileiros demonstraram seus limites, afetando toda cadeia de distribuição de produtos. Alguns supermercados passaram a não poder mais oferecer determinados produtos, porém a Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE) de Porto Alegre permaneceu funcionando. A FAE é resultado de uma construção solidária de produtores e consumidores ao longo de mais de 30 anos e hoje se destaca entre as maiores feiras agroecológicas do mundo.

Essa feira é constituída por agricultores que são da Região Metropolitana de Porto Alegre ou que distam no máximo 200 km da capital. Os onze Assentamentos de Reforma Agrária no Rio Grande do Sul contam com cerca de 1.200 famílias produtoras e abastecem de arroz orgânico e de outros insumos as mais de 40 Feiras públicas que ocorrem na região.

Pensando e refletindo sobre o pão nosso de cada dia, chegamos à conclusão de que o ato de comer e comprar é também um ato político. A forma que escolhemos para nos alimentar vai definir o tecido socioambiental que comporá a nossa paisagem. Decidir como, onde e qual alimento escolher define quem manteremos no campo e como será o nosso meio ambiente.

*Alberto Bracagioli Neto – agrônomo, professor e doutor em Desenvolvimento Rural

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