O enterro do glifosato

O glifosato é uma dos herbicidas mais vendidos no mundo e é apontando como provável causador de câncer e possível indutor do autismo em crianças

Arno Kayser

Arno Kayser

15/12/2021
O enterro do glifosato Pixabay/NBE

3 min de leitura

Na cultura mexicana o dia dos mortos é muito importante. Por inspiração da tradição das culturas indígenas é um momento de conexão com os antepassados em que são feitas grandes celebrações familiares reforçando os laços com a ancestralidade.

Essa ligação com os mortos também se manifesta num respeito para com a terra onde eles descansam e para todos os presentes que os antigos legaram para a presente geração.

Toda uma base de conhecimento dos ancestrais aponta para uma relação de cuidado para com a terra, das plantas e dos animais como parte de uma grande cadeia de vida que une o mundo material e o mundo espiritual. Especialmente forte nas comunidades tradicionais essa força tem sido fundamental na defesa do modo de vida herdado dos antepassados contra os interesses da indústria da agricultura química no país.

Em muitas regiões do país desencadeou-se um movimento forte pela Agroecologia, Ciência que defende o uso de métodos tradicionais de produção em bases ecológicas. Esse movimento vem avançando e conseguindo importantes vitórias recentemente.

O governo mexicano editou um decreto determinando a eliminação do glifosato do país até 2024. Esse mesmo decreto suspendeu o uso de novas variedades de milho transgênico.

O glifosato é uma dos herbicidas mais vendidos no mundo e é apontando como provável causador de câncer e possível indutor do autismo em crianças.

Já o milho é básico na alimentação tradicional dos povos indígenas e do povo em geral. As variedades transgênicas comprometem as variedades tradicionais usadas por milhares de anos desde que o cereal foi domesticado pelos povos do país.

Por conta deste decreto no dia dos mortos de 2021 os movimentos populares promoveram um enterro simbólico do glifosato como um ato de repúdio a agricultura da morte ele representa.

O evento ocorreu em El Limon, na província de Jalisco, e contou com a presença de Sebastião Pinheiro, um dos maiores lutadores a favor da Agroecologia e contra os Agrotóxicos, figura reconhecida internacionalmente.

Foi um momento de celebração e defesa do legado cultural que há milhares de anos mantém um modo de vida saudável. Um sinal de esperança para todos que querem uma agricultura sadia.

Enquanto isso ocorria, aqui no RS, onde os agrotóxicos ainda têm muito apoio do setor do agronegócio e das políticas públicas na esfera nacional e estadual, os movimentos populares obtiveram uma pequena vitória na luta contra os venenos.

Uma decisão da Nona Vara da Justiça Federal da juíza Clarides Rahmeier, publicada logo depois do dia dos mortos, proibiu a pulverização aérea sobre lavouras de arroz orgânico em Nova Santa Rita.

É o resultado de uma ação do Instituto Preservar contra os danos causados em 2020 nos assentamentos do MST da região por conta de pulverizações de lavouras vizinhas. O local é polo de produção de arroz e de hortigranjeiros orgânicos. As pulverizações contaminaram a produção causando prejuízos econômicos e também danos à saúde das pessoas e de animais. Fontes de água foram atingidas e muitas abelhas morreram junto com a fauna silvestre.

Houve pulverização desrespeitando os limites do licenciamento ambiental que, por deriva, atingiu um raio de dezenas de quilômetros atingindo assentados e seus vizinhos e até zonas urbanas. Efeitos que foram sentidos até em Eldorado do Sul, do outro lado do Jacuí.

Além de cessar as pulverizações, a liminar determina prestação de serviços de saúde e indenização econômica aos atingidos. O Estado foi intimado a intensificar a fiscalização.

É uma vitória que traz alento num momento em que a indústria de agrotóxicos vem conseguindo liberação de produtos como nunca no país. Aqui no RS, a lei dos agrotóxicos, que o mestre Sebastião Pinheiro ajudou a construir nos anos 80, foi afrouxada, permitindo o uso de moléculas banidas em outros países que antes não entravam aqui.

Como no México, os movimentos de agricultores tradicionais e familiares estão na base dessa vitória por conta de sua determinação e mobilização. Oxalá um dia, graças a essa luta, nós possamos também no Brasil celebrar um dia dos mortos enterrando o glifosato e outros produtos tão perigosos para a vida, como fizeram no México.

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Arno Kayser

Arno Kayser

Agrônomo, ecologista, escritor e autor do Blog “Para pensar a Ecologia em dias tão confusos”.

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