Uma Pedagogia para superar traumas
Especialista em Pedagogia de Emergência difunde método no RS

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A Pedagogia de Emergência surgiu em 2006, quando o professor alemão do Centro Parzifal, Bernd Ruf, esteve no Líbano em meio à guerra entre Israel e o Hezbollah para acompanhar o repatriamento de 21 jovens libaneses.
Ao visitar um campo de refugiado no Líbano, o professor percebeu que a maioria das crianças estava com traumas psicológicos. Mais do que feridas fisicamente, estavam feridas de alma.
Bernd Ruf desenvolveu um trabalho que se espalhou pelo mundo, auxiliando em diversas situações traumáticas, e que hoje está presente em 35 países.
O professor brasileiro Reinaldo Nascimento começou seu envolvimento com a Pedagogia de Emergência ao trabalhar como tradutor do alemão para o português no curso sobre o tema que Bernd Ruf veio dar no Brasil em 2011.
Hoje, o terapeuta social e educador físico faz parte do time internacional de Pedagogia de Emergência e já participou de várias intervenções ao redor do mundo: Quênia, Líbano, Filipinas, Iraque, México, Faixa de Gaza, Egito, Nepal e Equador, entre outros.
Reinaldo ministra palestras e workshops sobre a Pedagogia de Emergência e trabalha também na formação de professores e educadores no Brasil e outros países.
Os traumas causados nas crianças que passaram pelas enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024, também estão no horizonte da Pedagogia de Emergência.
Reinaldo Nascimento esteve no estado para cursos, palestras e formação de novos agentes. Nesta entrevista exclusiva para o Nosso Bem Estar o educador explica sobre o método e os resultados.
NBE - Qual é a base desse método e como se aplica?
RN - Diante de evento traumático, nós percebemos que num primeiro momento, a fase aguda, os sintomas mais evidentes podem ser de desespero, insegurança, não saber onde estamos, sensação de impotência-incapacidade-desamparo, entre outros. Neste momento em que nos sentimos ameaçados, temos três possibilidades de ação: lutar, fugir ou ficar paralisado. A Pedagogia de Emergência oferece um espaço seguro para a estabilização dessa criança.
NBE – Como é o processo?
RN - O que queremos além do espaço seguro é também ofertar segurança e proteção através das atividades e dos ritmos diários. A criança se sente segura quando percebe que as atividades têm um começo, um meio, um fim. Percebemos que a criança (a pessoa) atingida, pode não mais confiar nas pessoas, as relações ficam mais difíceis. Essa tristeza, esse medo, essa raiva, essa falta de apetite são reações normais, mas se elas não forem cuidadas, numa terceira fase podem se transformar em doenças.
NBE – E como se estabelece o processo de cura?
RN - A Pedagogia de Emergência oferece para estas pessoas vínculos, relações fortes e seguras. Os profissionais que estão trabalhando com elas demonstram que entendem o que elas passaram e que isso será trabalhado através de diferentes atividades de brincadeiras, jogos cooperativos, pintar, desenhar, música, entre outras. Porque tudo isso ajuda as crianças a se expressarem, já que muitas vezes, verbalmente, não é possível, porque elas sequer entendem o que aconteceu.
NBE – Conte um pouco sobre os resultados que vêm sendo obtidos.
RN - O primeiro, é conseguir explicar/mostrar para essa criança que ela não está ficando louca. Louco é o que aconteceu com ela. Nos eventos climáticos do Rio Grande do Sul, as crianças saíram das suas casas e foram para os abrigos. De uma hora para outra, elas estavam vivendo num outro local compartilhando espaço com tantas outras famílias e muitas delas desconhecidas.
Hoje, alguns professores não conseguem entender por que muitas crianças estão com tantas dificuldades para assimilar os conteúdos escolares. Não é por não quererem, mas porque elas realmente, nesse momento, não conseguem. E nós, profissionais da educação, precisamos entender os motivos e ter ferramentas para lidar com estas dificuldades. Nos estudos sobre o trauma, têm-se entendido a importância do terapeuta, do psicólogo, do psiquiatra, do psicanalista, mas cada vez mais, se percebe a importância de os pedagogos entenderem o que pode acontecer com uma criança após um evento traumático. Compreender, inclusive, que se eu não entendo o que está acontecendo com a criança, eu (pais ou professor) também posso ficar doente.
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