150 anos da imigração no RS – Parte 3

Morar, trabalhar, poupar. Se a pátria lhes negara a terra, no Brasil haveriam de fazê-la produzir e assim conquistar a autonomia e a prosperidade

Sônia Storchi Fries

Sônia Storchi Fries

12/05/2025
150 anos da imigração no RS – Parte 3 Comemoração da vindima - 1931-1932. Autoria Giacomo Geremia. Acervo do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.

6 min de leitura

As primeiras casas foram provisórias. Eram cabanas feitas de pau-a-pique cobertas de ramos e capim. Improvisados também foram móveis, os utensílios domésticos, as ferramentas de trabalho.

Para se alimentarem, os imigrantes abatiam aves e animais silvestres, colhiam frutos na mata, principalmente o pinhão, abundante nos meses de outono e inverno.

Tão logo a casa estivesse pronta, iniciava o plantio das roças e, então, esperava-se três meses pela primeira colheita. Para os imigrantes italianos a terra ia além do seu valor financeiro, ela representava o espaço onde pudessem trabalhar e viver livres de mandos.

Se a pátria lhes negara a terra, no Brasil haveriam de fazê-la produzir e assim conquistar a autonomia e a prosperidade.

A maioria das casas rurais era de dois pavimentos, congregava função econômica e de moradia. O porão, de pedra, servia para guardar mantimentos, ferramentas, carnear os porcos, processar a carne e também o vinho.

O segundo pavimento era reservado para moradia: quartos e sala. O sótão era utilizado como dormitório para os filhos mais velhos, geralmente os homens. Nas proximidades da casa, construíam edificações destinadas à produção: chiqueiro, galinheiro, pombal, estrebaria, depósito para cereal, oficinas.

Os próprios colonos construíam suas casas. Quando eram contratados pedreiros ou carpinteiros profissionais, os filhos do proprietário serviam como ajudantes. Para as construções, utilizaram as técnicas e os conhecimentos trazidos da Itália adaptados aos recursos da nova terra.

As unidades coloniais estavam fundadas na pequena propriedade e na mão de obra familiar. Nelas os colonos reproduziram a mesma estrutura de suas comunidades de origem: família patriarcal com muitos filhos, genros, noras e outros parentes.

O pai era a autoridade maior: determinava a divisão de tarefas, administrava os bens, gerenciava o dinheiro e os negócios. Cabia à mãe o comando da casa, o cuidado com os filhos, além de acompanhar a família na roça.

As unidades coloniais eram quase autossuficientes, gerando atividades paralelas voltadas ao trabalho agrícola e à própria subsistência.

As mulheres também costuravam, fiavam, teciam, lavavam, cozinhavam, faziam as compotas e as marmeladas.

Os homens cuidavam das vacas, dos cavalos, matavam os porcos, faziam o salame, processavam o vinho. As crianças, com sete anos, já pegavam na enxada, auxiliavam a cuidar dos irmãos menores, a preparar as refeições e colhiam pasto para os animais.

A criação de animais estava voltada ao consumo familiar e o excedente era comercializado - leite, ovos, salame, toucinho, banha, frutas, entre outros.

Acostumados a privações e educados a “não esbanjar”, estes homens e mulheres trabalhavam de sol a sol para assegurar a propriedade; a terra representava uma conquista e o trabalho era a sua hipoteca.

Imigrantes produzindo utensílios

Os conhecimentos do imigrantes impulsionaram a indústria na região. Artigos e utensílios de metal já eram fabricados em larga escala, em 1907. Autoria: não identificada. Acervo: Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami

Videiras especiais

Plantar videiras, colher a uva, processar o vinho foi o anseio desses colonos imigrantes e descendentes. Inicialmente foram plantadas as variedades americanas - isabel, niágara, herbermont, - já cultivadas pelos colonos alemães.

Em 1878 na Colônia Caxias já se bebia o vinho produzido nas cantinas coloniais. O objetivo do Governo do Estado, no entanto, estava na vinificação e com aquelas variedades não era possível fabricar um vinho de qualidade.

Coube aos imigrantes italianos e descendentes esta árdua tarefa. A vitivinicultura nas colônias italianas foi planejada e estudada nos laboratórios de enologia e nas estações experimentais criadas na última década do século XIX.

Nesses locais eram cultivadas e adaptadas viníferas nobres e, posteriormente, distribuídas aos colonos, que recebiam orientação para o plantio, o crescimento e a vinificação. Os colonos, por sua vez, adaptavam seus conhecimentos às orientações recebidas.

Os parreirais eram cultivados próximos à residência, alargando-se em direção às encostas. Formava-se a paisagem mais típica da colonização italiana no Rio Grande do Sul: os parreirais, as casas de madeira com cantinas de pedra, os tanques de sulfatos, os vimeiros nos banhados.

Na primeira década do século XX, as cantinas da serra gaúcha já exportavam vinho de boa qualidade para o Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1911, a convite do governo do Estado, Stefano Paterno chegava à Caxias do Sul para implantar modelo cooperativista. Após palestras e várias reuniões, em 02 de outubro do mesmo ano era fundada a Cooperativa Agrícola de Caxias.

Em pouco tempo a iniciativa foi adotada na maioria dos núcleos coloniais; o cooperativismo se ajustava ao sistema da pequena propriedade, mas era uma exceção num país historicamente voltado à monocultura e ao latifúndio.

A formação desse patrimônio vinícola foi árdua e perdurou por várias safras. O resultado foi o esperado: 150 anos após a chegada dos primeiros imigrantes italianos, a serra gaúcha é a principal região vitivinícola do Brasil.

A produção é realizada em pequenas propriedades, em média 15 hectares, com 10% desta área ocupada pelos vinhedos. O trabalho nos parreirais e nas cantinas auxiliou a fixação à terra do imigrante e seus descendentes e estreitou os laços comunitários. Enquanto a vitivinicultura firmava raízes, os núcleos coloniais definiam os traços de sua identidade, encontrando seu próprio jeito, cor e sabor.

Artesãos de múltiplos ofícios

Entre os imigrantes havia profissionais e artesãos. O isolamento, a precariedade das estradas, a escassez de utensílios domésticos e ferramentas de trabalho estimulou a diversificação de oficinas.

Assim, o colono plantava a uva e fazia o vinho, derrubava a mata e fazia o arado, plantava e tecia o linho. Na sede dos núcleos coloniais, funileiros, ferreiros e tecelões produziam o que lhes faltava e o que a colônia necessitava. Adaptando seus conhecimentos aos recursos disponíveis, aqueles artesãos de múltiplos ofícios lançaram a base da indústria e foram os primeiros instrutores profissionais.

Inicialmente as oficinas funcionavam na própria residência. Sem patrões e empregados, a família acompanhava todo o processo produtivo.

Vendendo de tudo, as “casas de negócios", como eram chamadas, exerciam as funções hoje atribuídas aos supermercados e aos bancos. Ali o colono entregava o excedente de sua produção e encontrava tudo o que necessitava.

O comerciante era pessoa de confiança, o dinheiro ganho na safra lhe era entregue e servia como débito para as compras no transcorrer do ano. As funilarias e ferrarias se transformaram em metalúrgicas, as cantinas coloniais evoluíram para grandes vinícolas e as primitivas sedes colônias se transformaram em cidades.

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Sônia Storchi Fries

Historiadora e pesquisadora.

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