Quando o cérebro tira férias e leva Sócrates junto
Como um coco gelado na praia impediu um banho de mar e deu início a uma busca filosófica
Freepik/NBE 3 min de leitura
Depois de participar de um evento que terminou na sexta-feira, tirei o sábado para conhecer uma praia de Aracaju. A missão era simples: desligar o cérebro e ligar o modo “relaxar”. O cenário era perfeito: pé na areia, som do mar, beber água de coco e comer uns petiscos.
A vida, porém, adora um plot twist. Resolvi pedir para abrirem o coco para eu comer a polpa. E aí, olhei para aquela camada de polpa bem fininha, umas 100 gramas, dentro de um coco que devia pesar uns 2 quilos.
Pronto! Meu cérebro, que deveria estar curtindo as suas férias, imediatamente fez uma ligação direta com as minas de ouro. Para achar 1 kg do metal precioso, é preciso mover toneladas de terra e pedra. Quer dizer, a natureza parece ser organizada em camadas para proteger a essência, a parte boa, que está sempre escondida no lugar mais inconveniente e mais protegido.
Enquanto dizia “não, obrigado” para a dezena de ambulantes que queriam me vender alguma coisa, o cérebro sorrateiramente lançou uma pergunta: e a essência da pessoa? Será que também vem assim, enrolada em camadas de proteção?
Resultado: acabei não entrando no mar. Fiquei na barraca, filosofando como um Sócrates de protetor solar fator 50. Lembrei que li algum dia que Aristóteles dizia que a essência “é o que faz algo ser o que é”. Obrigado, Aristóteles, mas é um pouco tipo “pode repetir?”, soa profundo, mas não explica muito, não é mesmo?
Quebrando a cabeça e cocos
A curiosidade, porém, é mais insistente que vendedor de praia. Cheguei em casa e fui atrás de respostas e descobri que a humanidade, assim como eu, está há milênios quebrando a cabeça (e cocos) nessa busca.
Eis que encontrei mais quatro perspectivas: A existencialista, defendida por alguns filósofos, de que “a existência precede a essência” (Sartre).Entendi que a essência não é um pacote fechado, ela é construída pelas escolhas (e pelos cafés) que tomamos. Você não descobre quem é, você faz que é. Meus amigos filósofos que me corrijam.
Na perspectiva psicológica, a essência seria a combinação de temperamento, crenças centrais, valores e hábitos. É o seu “sistema operacional” pessoal.
Existe também a perspectiva espiritual/religiosa. Aqui, a essência ganha nomes como alma ou espírito, que é a parte mais íntima e imaterial de uma pessoa.
Por fim, a perspectiva pragmática, na qual a essência é o que transborda quando a pressão aperta**. É o que você prioriza quando tudo dá errado.** Leia-se: como você reage quando cai o Wi-Fi. Como diz a sabedoria popular: “é no caos que o caroço se revela”.
Putz! E pensar que tudo isso começou porque eu quis comer a polpa de um coco! E, no meio de tanta teoria, uma metáfora simples me esclareceu, a da semente e da árvore: a essência é a semente, ela é o potencial de uma árvore, mas, para se tornar árvore, dependerá do solo, da água, do sol e outros fatores. Porém, pode ter vento, ela pode crescer torta, perder galhos, mas a semente de um carvalho nunca irá virar um pé de pinos. Tem um “núcleo” ali que é só seu, imutável e teimoso.
Voltando à pergunta inicial: “o que é a essência de uma pessoa?” Para mim ficou que a essência é aquilo que faz você ser “você”, mesmo depois de trocar de cidade, de emprego, de opinião ou de corte de cabelo. É o fio condutor da sua própria história. Não sei se lhe deixei mais confusa(o) ou se consegui explicar o que eu entendi.
Seria isso? Ou eu deveria ter pedido logo aquelas lascas de coco prontas que o ambulante me ofereceu e ter te poupado desta conversa toda? A resposta, meus queridos leitores, talvez esteja no próximo coco gelado. Ou no próximo mergulho no mar que, no fim das contas, eu acabei não dando.
A vida, como a essência, é cheia dessas ironias deliciosas.




