O medo de que o medo acabe
O que aconteceria se o medo acabasse? E se deixássemos de acreditar em quem nos amedronta? E se parássemos de alimentar esses fantasmas?

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Recentemente, ouvi Lima Duarte, aos 95 anos, declamar “Murar o Medo”, de Mia Couto (2011). Embora escrito há quase quinze anos, o texto soa ainda mais urgente em 2025. Nele, Mia Couto observa uma transformação perigosa: “o que era ideologia passou a ser crença. O que era política, tornou-se religião. O que era religião passou a ser estratégia de poder”.
Essa reflexão nos leva a um questionamento urgente: por que as crises financeiras, que destroem empregos e sonhos, não afetam a indústria de armamentos? A resposta é simples, ao longo da história, os poderosos sempre manipularam para que o dinheiro faltasse para o pão, mas nunca para a espada.
Diante dos problemas, os governantes apresentam o mesmo repertório de soluções. Para ameaças internas: mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para ameaças globais**: mais exércitos, mais serviços secretos e a “suspensão temporária” (sempre renovada) de direitos e cidadania.**
Hoje, convivemos com novas formas de medo: a guerra preventiva (atacar primeiro para não ser atacado). O assaltante mata por temer uma possível reação da vítima; policiais que executam inocentes acreditando que “não deviam estar ali”; os pais com medo de que a violência contra as crianças seja praticada por parentes e conhecidos; as mulheres temem a violência física ou sexual. Há quem tenha medo do comunismo, medo de não poder professar sua religião, que Deus não volte, ou que volte e não seja um dos arrebatados na grande tribulação.
O lado do medo
Temos um campo fértil para brotarem candidatos que prometem acabar com o medo. Propõem erguer muros nas fronteiras e deportar pessoas para dar segurança aos cidadãos. No entanto, não há barreira capaz de separar os que têm medo dos que não têm. Estamos todos do mesmo lado – o lado do medo.
Eduardo Galeano capturou com precisão a atmosfera de nosso tempo:
Os que trabalham têm medo de perder o trabalho; os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho; quando não têm medo da fome, têm medo da comida; os civis têm medo dos militares; os militares têm medo da falta de armas e as armas têm medo da falta de guerras.
O medo ergue muralhas invisíveis que nos aprisionam. Cabe perguntar: o que aconteceria se o medo acabasse? E se deixássemos de acreditar em quem nos amedronta? Se parássemos de alimentar esses fantasmas?
O sistema que lucra com nosso pavor e nossa dor teme uma coisa acima de todas: o medo de que o próprio medo acabe. Reconhecer esse medo do sistema é o primeiro passo para desmontar sua muralha invisível.