Minha pátria é a Terra
Um novo nível de consciência torna ridícula e fora do tempo a afirmação excludente das nacionalidades

3 min de leitura
Atualmente vivemos um choque de estados de consciência que revelam o nível de contradições que afetam a nossa existência na Terra. Ninguém pode negar que constatamos uma nova fase da humanidade e da Terra: o irrefreável processo da planetização.
Todos os povos estão deixando seu exílio milenar, a partir de África, e se encontrando num único lugar, na Casa Comum, a Terra. É fato estabelecido de que vivemos num único planeta e não temos outro.
Entretanto, este fato não é acompanhado por sua natural e devida consciência. Esta seria planetária. Muitos já ingressaram nela, mas a grande maioria tem ainda a consciência de suas nacionalidades.
A União Europeia poderia servir de exemplo, ao ter criado uma moeda única, um passaporte, válido para todos os países da União. No entanto, as fronteiras nacionais constituem ainda a referência maior. O único que talvez tenha mostrado uma consciência planetária, teria sido Xi Jinping ao sugerir uma “única comunidade global de destino”.
Estão em tensão as duas consciências, a contemporânea que sustenta “Minha pátria é a Terra; a alma não tem fronteira; nenhuma vida é estrangeira”. E a outra, em vias de superação, vinda do Tratado de Westfália de 1648 que estabeleceu os limites e a soberania das nações.
É fato incontestável: o coronavírus não respeitou a soberania das nações. Ele ultrapassou todas as fronteiras e afetou o planeta inteiro. Algo semelhante ocorreu com a crise financeira de 2008, que afligiu as economias mundiais para além de qualquer fronteira nacional.
Estamos caminhando para a constituição de uma governança global, no pressuposto de que problemas globais demandam soluções globais e de que a Terra constitui, realmente, a Casa Comum como o tem afirmado a Carta da Terra (2003) e a Laudato sì: sobre como cuidar da Casa Comum (2015) do Papa Francisco.
Apesar disso, vigoram um sem número de conflitos territoriais entre Israel e os palestinos, entre a Rússia e a Ucrânia, o conflito no Iêmen, na Síria, em Mianmar, nos países africanos como na Nigéria, no Sudão, na Somália em Burkina Faso. Todos estes conflitos, de alta letalidade, dão mostras de que inexiste ou é parca a consciência da Terra como Casa Comum.
A partir deste nível de consciência torna-se ridículo e fora do tempo a afirmação excludente das nacionalidades. Hoje é a extrema direita com seu populismo que reafirma as identidades nacionais contra o multiculturalismo.
Acertar o passo
Por causa da ausência desta consciência planetária, afirmava o Secretário Geral da ONU, António Gutérrez, em fevereiro de 2023: “Os governos não fazem o suficiente para melhorar o gerenciamento de risco de desastres, o que deixa a humanidade amplamente despreparada para o que está por vir. O aumento do nível do mar ameaça provocar um êxodo de proporções bíblicas”.
Os testemunhos dos astronautas, desde suas naves espaciais, unanimemente afirmaram: desde nossa perspectiva não há diferença entre Terra e Humanidade. Ambas formam uma única entidade.
Com razão, grandes cosmólogos como Brian Swimme e Thomas Berry podiam asseverar: o ser humano é aquela porção da Terra que num avançado processo de complexificação e de interiorização começou a sentir, a pensar, a querer, a cuidar e a venerar. Foi quando irrompeu no processo cosmogênico o homem e a mulher, seres portadores de todas estas características.
Chegou a hora de acertarmos o passo de nossa consciência com o curso da Terra nossa Casa Comum - e sentirmo-nos de fato não só parte da Terra, mas aquela parte que sente, pensa, ama e cuida.
Assim teríamos alcançado a consciência planetária, capaz de uma ética regeneradora da Terra ferida e de um acordo de paz entre todos os povos, sempre ansiado, dentro da única Casa Comum na qual estará a totalidade da natureza e os diferentes mundos culturais enriquecendo-se mutuamente pelo diálogo e pelas trocas.
Assim o queira Deus.