Fator Sombrio da Personalidade

Estamos despreparados para identificar e denunciar a violência emocional disfarçada, seja nos golpes ou nas relações do cotidiano

Luis Felipe Nascimento

Luis Felipe Nascimento

10/12/2025
Fator Sombrio da Personalidade Freepik/NBE

3 min de leitura

Estamos despreparados para identificar e denunciar a violência emocional disfarçada, seja nos golpes ou nas relações do cotidiano.

Fico sempre impressionado com a facilidade com que pessoas boas se tornam presas. Histórias de mulheres maduras que enviam economias a “namorados” virtuais que nunca existiram não são apenas golpes; são feridas abertas na confiança humana. Pesquisando, encontrei a definição para o conjunto de traços da personalidade dos golpistas e predadores sociais como “Dark Factor of Personality”, que nas redes sociais é divulgado pela psicóloga Carolina Mueller.

Vivemos em uma época em que reconhecemos e sabemos onde denunciar a violência física, mas ainda estamos despreparados para identificar a violência emocional disfarçada. Muitas dessas ações não constam em códigos penais, pois se valem de um “consentimento” obtido por meio de artimanhas, como retratado no filme “O Golpista do Tinder”, no qual não há violência física, mas há destruição moral, financeira e emocional.

Vou me focar aqui nos três traços que vejo com mais frequência: egoísmo patológico, maquiavelismo e narcisismo. Talvez você reconheça alguém assim na sua vida. Talvez a lembrança aperte seu peito.

Egoísmo patológico

Não se trata apenas de querer ganhar, mas de precisar que o outro perca. Relacionamentos viram disputas, favores viram dívidas emocionais: “Se eu fizer isso por você, espero que você faça aquilo por mim”. Apropriam-se de méritos, roubam créditos, minimizam esforços dos outros. O amor vira disputa: quem sofre mais, quem manda mais, quem tem mais razão. Quem convive com alguém assim sente-se progressivamente esvaziado, como se sua luz fosse sendo consumida pela sombra alheia.

Maquiavelismo

Aqui a frieza é estratégica. São sorridentes, cordiais, adaptáveis e frios. Em vez de se conectarem, estudam. As emoções são mapas táticos: onde tocar, quando esperar, como virar o jogo sem alarde. Não explodem; conspiram. Para o maquiavélico, manipular não é apenas um meio, é uma arte eficiente e sem remorso. Enquanto o egoísta quer fazer você perder, o maquiavélico quer fazer você jogar para ele ganhar sem você perceber.

Narcisista

É aquela pessoa que se hipervaloriza enquanto desvaloriza os demais. O narcisista enxerga uma hierarquia em que ele ocupa o topo por direito: merece mais atenção, mais elogios, mais poder. Diferente de formas ideológicas de superioridade, o narcisista busca a admiração contínua e despreza quem não a fornece. A convivência vira espetáculo: tudo gira ao redor de sua imagem, e o mundo existe para reforçá-la.

Fascínio x consciência

Se pararmos para refletir, talvez reconheçamos esses traços em figuras públicas, líderes, atletas, influenciadores, pessoas cercadas de admiração e poder. O que nos atrai nelas? Talvez a ilusão de que seu sucesso possa ser nosso, ou o fascínio por uma força que desejamos ter.

Mas é essencial lembrar: todos podemos, em certa medida, agir sob influência desses traços. O que nos diferencia é a consciência. Quem sente remorso, quem se revisa, quem busca corrigir-se, ainda está no caminho da humanidade.

O antídoto está na autoconsciência e na recusa coletiva a normalizar esses comportamentos. Sem plateia, sem cumplicidade, a sombra perde força. Cultivar a empatia, a transparência e a responsabilidade é um ato de resistência.

Reconhecer o Fator Sombrio da Personalidade não é apenas para nos proteger, mas é a essência do que nos mantém humanos. Em um mundo sedento por conquistas, talvez a maior vitória seja preservar a luz que ainda nos resta.

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Luis Felipe Nascimento

Luis Felipe Nascimento

Luis Felipe Nascimento é professor na escola de Administração da UFRGS.

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