Feiras Ecológicas da Redenção: as gigantes da América Latina

Passados 30 anos, FAE e FEBF entrelaçam objetivos comuns mesmo com diferenças ao longo da história

Anahi Fros

Anahi Fros

30/09/2021
Feiras Ecológicas da Redenção: as gigantes da América Latina Anahi Fros/Divulgação/NBE

8 min de leitura

O maior espaço de venda de orgânicos a céu aberto da América Latina é trintão. E vem demonstrando que vai muito longe ainda, dando exemplo de resistência, organização e resiliência em meio à maior crise de saúde mundial da história recente. São as Feiras Ecológicas da Redenção, em Porto Alegre.

Aliás, talvez as maiores do mundo, segundo o engenheiro agrônomo Laércio Meirelles, coordenador geral do Centro Ecológico – ONG que desde 1985 trabalha com assessoria e formação em agricultura ecológica na Serra gaúcha e no Litoral norte do Rio Grande do Sul. Laércio viaja o mundo levando seu vasto conhecimento em agroecologia.

Credito imagem: Divulgação/NBE

MAS, COMO ASSIM, FEIRAS?

Pois é... A maioria das pessoas que chega à Avenida José Bonifácio aos sábados pela manhã enxerga uma iniciativa apenas, gigante e diversa, com quase 150 bancas. No entanto, o local é plural, com a Avenida José Bonifácio sendo ocupada pela Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE), que comemora 32 anos em outubro próximo, e a Feira Ecológica do Bom Fim (FEBF), que celebrou seus 30 anos em agosto.

As 44 bancas da FAE ocupam a quadra localizada entre a Avenida Osvaldo Aranha e a Rua Santa Terezinha. Na quadra seguinte, extensão que vai até a Rua Vieira de Castro, a FEBF acomoda mais de 90 boxes e suas famílias de produtores. Numa visão ampla, são duas feiras em uma. No local, famílias de agricultores oriundas de Porto Alegre, região Metropolitana, Serra gaúcha, Litoral norte, entre outras localidades do RS, bem como assentamentos da Reforma Agrária, levam o resultado de sua produção para consumo todos os sábados, inclusive feriados, das 7h às 13h, inclusive em dias de chuva.

Aos poucos, e muito por conta dos canais digitais e estratégias gestionadas por cada unidade, quem frequenta o local vai compreendendo que existem dois núcleos, ambos reunindo produtores orgânicos e ecologistas em diferentes sistemas de organização, mas um mesmo fim: oferecer produtos certificados, livres de agrotóxicos e adubos químicos para a população.

“Comprar em qualquer uma das quadras é garantia de que a procedência é garantida”, afirma Jorge Augusto Rücker, engenheiro agrônomo, servidor do Centro Agrícola Demonstrativo (CAD), ligado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SMDET) de Porto Alegre, e que atualmente está envolvido com a regularização dos alvarás dos feirantes, sendo presença constante nos finais de semana da Redenção. As informações são corroboradas por José Cleber Dias de Souza, auditor fiscal federal agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

A Resolução Municipal nº 3, de 26/12/2012, disciplina a realização das Feiras Ecológicas no Município. Já a Lei Federal nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, define, com base em uma série de prerrogativas, se o sistema orgânico de produção agropecuária é ou não orgânico. Os feirantes precisam seguir à risca as complexas e exigentes legislações, sob o risco de perderem o direito de expor em caso de descumprimento das regras.

Cada integrante precisa, por exemplo, colocar de forma visível nas bancas o certificado de conformidade orgânica e a adequação sanitária dos produtos. Falar sobre a documentação exigida de quem produz de forma ecológica renderia outra extensa matéria, algo que este espaço não daria conta neste momento.

Credito imagem: Divulgação/NBE

A PRIMOGÊNITA E A SEGUNDA QUADRA

A FAE é a irmã mais velha de todas as feiras. A definição é de Franciele Menoncin Bellé, agricultora de Antônio Prado, 27 anos, que explica: “A Feira dos Agricultores Ecologistas é a primogênita da Cooperativa Coolméia”.

Carregar esse título gera orgulho e, ao mesmo tempo, uma grande responsabilidade. Afinal, a primeira feira ecológica do Brasil, criada em outubro de 1989, é até hoje exemplo para todas as que vieram depois dela e que ainda irão surgir.

Fran, como é conhecida, tem 27 anos, nasceu e vive em Antônio Prado e hoje preside a Associação dos Agricultores Ecologistas Solidários do RS (Associação Agroecológica). É filha de Nélio e Aldaci Menoncin Bellé e frequenta a José Bonifácio desde os seis meses. Na verdade, antes disso, ainda quando era carregada no ventre pela mãe.

Das histórias que escuta, sabe que nem sempre foi bem vista a entrada de uma segunda quadra na Avenida José Bonifácio, mesmo passados tantos anos, muito pela diferença na ideologia e forma de construção de um espaço de comercialização de orgânicos.

Enquanto a FAE surgiu de um movimento ecológico urbano autogestionado e sob um mesmo guarda-chuva, a FEBF buscou autorização da prefeitura para poder funcionar. Mas ela ressalta:

“Percebo que a nova geração de feirantes tem um respeito muito grande pela segunda quadra, porque na geração passada ficaram algumas mágoas por conta da forma como tudo se deu. Muitas vezes a história que é contada é a quem mais convém para quem conta. Sinto que aos poucos, principalmente entre os mais jovens, como eu, esse contato entre as duas quadras está se transformando em uma relação de respeito. Um exemplo disso são as diversas ações realizadas em conjunto, como a retirada das sacolas plásticas das feiras e a própria organização de um plano de contingenciamento de danos no enfrentamento à Covid-19, além do fechamento da Avenida para o trânsito de carros, aumentando a segurança e o espaço físico das feiras”, cita.

Hoje, as duas quadras são divididas apenas pela presença de representantes do povo caingangue, que ocupam parte do trecho que faz esquina com a Santa Terezinha para a venda de artesanatos.

“Os índios nos dividem e ao mesmo tempo nos unem”, define Paulo Sérgio Ludwig, produtor ecologista de Viamão, um dos coordenadores da FEBF e presidente do Conselho de Feiras Ecológicas (CFE) de Porto Alegre.

Credito imagem: Divulgação/NBE

BROTA A FAE

A semente da FAE começou a germinar em 23 de janeiro de 1978, quando, em sua maioria, membros da Grande Fraternidade Universal (GFU) criaram a Cooperativa Coolméia. Em um seminário de capacitação em Nova Petrópolis, a capital nacional do cooperativismo, a Coolméia passou a se definir como Cooperativa Ecológica e Naturista, iniciando a organização de eventos públicos para promover seu ideário.

Assim, em 1986, foi organizada a Feira Ecológica Tupambaé, realizada sempre em outubro. Outras duas edições ocorreram em 1987 e 1988, mas sem patrocínio para o ano seguinte.

Em 16 de outubro de 1989, Dia Mundial da Alimentação, ocorre a primeira edição da FAE, gerando uma mudança nas relações entre consumidores urbanos e produtores rurais, sem a presença de intermediários.

Para ser viabilizada, recebeu famílias de agricultores vindas principalmente da Serra gaúcha, que até hoje percorrem mais de 180 quilômetros para chegar à Capital. O Projeto Vacaria, que surgiu quatro anos antes da FAE no município de Ipê - atualmente denominado Centro Ecológico - ensinava a viabilidade técnica e econômica da agricultura ecológica mediante a adoção de tecnologias alternativas orientadas pela filosofia da preservação ambiental e justiça social. Ele foi fundamental, junto com a Pastoral da Terra, para que a Feira dos Agricultores Ecologistas pudesse sair do plano das ideias para uma viabilidade concreta.

A Coolméia deixou de existir nos anos 2000, dando lugar à Associação Agroecológica, fundada em maio de 2006, que é quem dá sequência ao trabalho da cooperativa. Todos os feirantes da FAE são seus cooperativados.

A CHEGADA DA FEBF

A Feira Ecológica do Bom Fim (FEBF) foi criada na primeira quinzena de agosto de 1991, dois anos após a instalação da FAE.

A crescente demanda de novos agricultores e agroindústrias em busca de um espaço para comercializar alimentos sem aplicação de veneno, bem como o aumento do número de consumidores conscientes, resultou na criação de uma segunda quadra independente, viabilizada através de tratativas com o Executivo municipal.

As primeiras bancas eram ligadas à Associação Gaúcha de Apicultores (AGA), e logo foram crescendo em diversidade, fazendo hoje da segunda quadra o maior dos espaços em número de bancas e produtores na Redenção.

POR LEI, DE INTERESSE CULTURAL

Em junho de 2019, as Feiras Ecológicas da Redenção – FEBF e FAE – foram reconhecidas pela Lei Estadual nº 15.296 como de relevante interesse cultural do Estado do Rio Grande do Sul.

COOPERATIVAS E ASSOCIAÇÕES

Uma das marcas da Feira Ecológica do Bom Fim (segunda quadra) é o grande número de cooperativas e associações. São elas:

  • AAPI - Associação dos Pequenos Produtores de Itati
  • AFAGRO - Associação Farroupilhense de Agroecologia
  • ASPEDD – Associação dos Produtores Ecológicos de Dom Diogo
  • ASSOCIAÇÃO AGROECOLÓGICA – Associação dos Agricultores Ecologistas Solidários do RS
  • COCEARGS - Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul
  • COOPERAV - Cooperativa dos Produtores Orgânicos da Reforma Agrária de Viamão
  • COOTAP - Cooperativa dos Trabalhadores Assentados na Região de Porto Alegre
  • ECOCITRUS - Cooperativa dos Citricultores Ecológicos do Vale do Caí
  • ECOMORANGO - Cooperativa de Produtores de Morango Ecológico
  • ECOVIDA - Associação Ecovida de Certificação Participativa
  • OPAC LITORAL NORTE - Organismo Participativo de Certificação de Conformidade de Alimentos Orgânicos
  • RAMA - Associação dos Produtores da Rede Agroecológica Metropolitana

FEIRAS ECOLÓGICAS EM PORTO ALEGRE/RS

FEIRA ECOLÓGICA DO BAIRRO AUXILIADORA

Terças-feiras – das 7h às 12h

Travessa Lanceiros Negros

FEIRA DOS AGRICULTORES ECOLOGISTAS E FEIRA ECOLÓGICA DO BOM FIM

Sábados – das 7h às 13h

Av. José Bonifácio

FEIRA ECOLÓGICA PARK LINDÓIA

Sábados – das 7h às 12h

Rua Eduardo Maurel Müller (ao lado da Praça Park Lindóia)

FEIRA ECOLÓGICA DO MENINO DEUS

Quartas-feiras – das 11h30 às 17h

Sábados – das 7h às 12h30

Av. Getúlio Vargas, 1384 – Bairro Menino Deus

FEIRA DO PETRÓPOLIS

Quartas-feiras – das 13h às 17h

Rua Gen. Tibúrcio (Praça Ruy Teixeira) – Bairro Petrópolis

FEIRA ORGÂNICA RÔMULO TELLES

Sábados – das 7h às 13h

Rua Rômulo Telles Pessoa – Bairro Petrópolis

FEIRA ECOLÓGICA TRÊS FIGUEIRAS

Sábados – das 7h30 às 12h30h

Rua Cel. Armando Assis – Bairro Três Figueiras

FEIRA ORGÂNICA DA TRISTEZA

Sábados – das 7h às 12h

Av. Otto Niemeyer esquina Av. Wenceslau Escobar – Bairro Tristeza

MASTER FEIRA ORGÂNICA

Domingos – das 9h às 13h

Av. Carlos Gomes, 565 - Bairro Bela Vista

FEIRA SHOPPING JARDIM VERDE

Quintas-feiras – das 9h às 16h

Av. Eduardo Prado, 1954 – Bairro Cavalhada

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Anahi Fros

Anahi Fros

Jornalista e ambientalista

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