Empatia é um ato de amor

O banquete da empatia é servido quando os convivas olharem para as pessoas com respeito e atenção.

Cesar Marcos Casaroto Filho

Cesar Marcos Casaroto Filho

07/12/2021
Empatia é um ato de amor Freepik/NBE

6 min de leitura

Que é empatia? Para o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, é a “capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer, de apreender do modo como ela apreende”; ainda é o processo psicológico de “identificação em que o indivíduo se coloca no lugar do outro e, com base em suas próprias suposições ou impressões, tenta compreender o comportamento do outro”. Assim, empatia seria um processo emocional e psicológico que nos permitiria vestir a pele do outro. Difícil? A menos que nos eduquemos para ela.

A nossa sociedade, fundada em um comportamento individualista que nos cega para a relação com os outros, dificulta – e muito – o processo empático. É a empatia que nos permite um movimento estético que nos coloca no lugar do outro: do negro, da mulher, do LGBTQIA+, do índio, da criança, do idoso.

Sabemos muito bem não temos como “ser” fisicamente o outro, de modo a sentirmos as suas dores e alegrias de forma literal. No entanto, por meio de um esforço imaginativo, temos como intuir o que o outro possa estar sentindo.

Em uma sociedade na qual as vontades individualistas falam mais alto, dificultando – e muito – a compreensão do que existe de humano em nós – que são as nossas diferenças –, acabamos nos prendendo às nossas próprias convicções, não nos permitindo um contato real com o outro.

O nosso problema é que, como bebês velhos, exigimos que o mundo nos responda como gostaríamos de ser compreendidos, sem nos darmos conta dos milhões de universos pensantes e sensíveis que são aqueles que chamamos amigos, colegas, pais, amores.

Para pensarmos empatia, precisamos refletir sobre o que move o processo empático: o estado amoroso. Em tudo onde pomos os olhos, precisamos estar em estado de amor.

Mesmo com ódio, devemos amar, assim nos ensinam os poetas. Fazer poesia é – antes de mais nada – fazer amor com a vida. Poesia é uma forma amorosa de ser na vida. É sob o signo do amor que o poeta caminha sobre o mundo.

Para Platão, o deus do Amor é úmido porque, “fosse seco, não poderia ajustar-se a toda pele, não poderia, evasivo, insinuar-se em todos os corações e sumir.”. É pelo amor que podemos nos amoldar ao diferente; ao que, apesar de não ser nós, quando olhamos bem para seus olhos, percebemos que é muito mais semelhante – pois todos têm ruins, coração e dentes – do que poderíamos imaginar. Para o filósofo grego, importa estabelecer um diálogo amoroso com as coisas.

Treinando a visão para enxergar o que existe de belo em tudo o que há – descartando-se as guerras hediondas e as perversidades da humanidade, pois elas não têm beleza nenhuma enquanto forças cujo objetivo é a morte –, sem a pretensão de querer conhecer literalmente o outro ou ensinar-lhe a viver, é preciso contemplar o que há de diferente – que é tudo o que é externo a nós, desde as pessoas até as nuvens. Afinal, só eu vivo o meu mundo particular. Fora de mim, eu só posso imaginar o que poderia ser.

É como inventar poesia. A empatia poética não quer nada com a raiva e a pressa dos tolos que idealizam um mundo de fantasia, e sim com o cuidado empático que respeita o ritmo dos processos, das chegadas e das partidas... das diferenças.

Empatia não pode ser confundida com simpatia. Enquanto simpatia é perceber que o outro sofre ou se alegra, empatia nos permite imaginarmos a personalidade do outro.

Criamos uma personagem das pessoas para melhor as compreendermos. Para sentimos a empatia, devemos nos aproximar ao máximo da outra vida sem, no entanto, nos confundirmos com ela. É preciso existir um distanciamento amoroso. Precisamos respeitar a distância saudável. Tomar a distância gentil é necessário para compreendermos as diferenças. É preciso ter sempre o cuidado de não invadir a vida alheia.

A empatia é úmida como o amor. Para se ajudar aos sentimentos dos outros, é preciso estar aberto para os corações, mesmo os mais estranhos a nós. Nosso tempo, marcado pela ansiedade grosseira e pelo olhar invasivo das pornografias televisivas, carece da empatia do ouvido que escuta e dos lábios que dizem o que importa.

Mikhail Bakhtin, famoso linguista russo, ao falar sobre a criação literária de uma personagem, elucida sobre os limites entre o próprio corpo e o corpo do outro para o estabelecimento da empatia. Diz-nos o autor que “Quando contemplo no todo um homem situado fora e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Quando olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila dos nossos olhos.”.

É somente por meio de um ato empático que eu posso me aproximar do estranho a minha frente.

Para compreendermos o outro, Bakhtin nos fala que é preciso “vivenciar empaticamente os seus estados interiores”.

É contemplando que podemos vivenciar as personagens em nós. A fim de agirmos empaticamente na vida, precisamos fazer alianças, e não nos confundirmos simbioticamente com os outros.

O filósofo questiona: “Que vantagem teria eu se o outro se confundisse comigo? Ele teria e saberia apenas o que eu vejo e sei, ele somente reproduziria em si mesmo o impasse de minha vida; é bom que ele permaneça fora de mim, porque dessa sua posição ele pode ver e saber o que eu não sei a partir da minha posição, e pode enriquecer substancialmente o acontecimento da minha vida”.

Desse modo, é preciso haver a aceitação fatal do fervilhante silêncio que existe entre um corpo e outro, essa zona de desconhecimento eterna do outro que deve estar sempre presente para que uma pessoa não se misture com as demais. Assim, estaremos atentos ao outro na sua diferença. Pois ele não é e nem deve ser uma cópia nossa. O outro existe em sua diferença. E só posso entendê-lo pela imaginação.

O banquete da empatia é servido quando os convivas entenderam que não se trata de exigir dos outros a amizade, o amor, mas de olhar para as pessoas com respeito e atenção.

Só se olha verdadeiramente para o corpo alheio por meio da imaginação atenta. É a imaginação que nos permite vestir uma pele diferente da nossa. Só assim nos distanciamos de nós mesmos e nos aproximamos do outro.

É pela objetividade do olhar contemplador – via esforço empático – que compreendemos o outro. Objetividade não é sentir do mesmo modo que o outro sentiu, mas, compreendendo não ser possível sentir o que o outro sentiu, entendendo as diferenças físicas entre o corpo próprio e o do outro. Objetividade é imaginar o que o outro possa ter sentido ou vivenciado. É preciso entender o outro na sua diferença. Assim: eu te entendo à medida que você não sou eu. A imaginação empática nos humaniza.

É preciso olhar para o outro não como um igual que tem a obrigação de nos corresponder tal como previram as nossas idealizações individualistas.

O caminho para a empatia é perceber a diferença da dor e da alegria alheias. Não devemos nos misturar com o sofrimento externo como se fosse nosso. Caso contrário, o olhar não será empata. Empatia é deixarmos de exigir que o outro corresponda às nossas expectativas. Olhar empaticamente exige um esforço estético que contempla a diferença, e não a cópia de si mesmo.

É fundamental, ainda, pensarmos na empatia econômica. O ato empático de perceber o excluído financeiramente é uma questão de conhecer, como diz o patrono da educação nacional Paulo Freire, o sofrimento humano na sua forma mais profunda.

Por fim, nos percebermos na sociedade economicamente injusta em que vivemos e reconhecermos o privilégio de não se estar à margem dela é uma obrigação empática que deve nos levar a identificarmos as necessidades reais de um país tão desigual como o Brasil.

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Cesar Marcos Casaroto Filho

Cesar Marcos Casaroto Filho

Graduado em Letras pela UCS, mestre e doutorando em Teoria da Literatura pela PUCRS.

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