Cuidando do templo

Seu Marçal e Dona Maria cuidaram e conservaram o cânion do Itaimbezinho até os últimos tempos em que lá viveram, como verdadeiros ambientalistas atávicos.

Vera Mari Damian

Vera Mari Damian

16/12/2021
Cuidando do templo Roberto Castro/Mtur/NBE

2 min de leitura

A primeira vez que ouvi falar dos cânions gaúchos foi durante uma viagem pela América Latina no início dos anos 80. Na época, o país estava na boca do mundo em apenas duas palavras: Pelé e carnaval.

Para minha surpresa, um casal de alemães veio me comentar que havia se encantado com os cânions do Sul do Brasil. Eu, que morava a pouco mais de 150 quilômetros de distância, ainda não conhecia.

Conhecer os cânions foi uma das primeiras providências no retorno daquela viagem. Foi amor à primeira/profunda/intensa/selvagem/revigorante-vista.

Na época o casal Marçal e Fona Maria ainda moravam no interior do já declarado Parque do Itaimbezinho. Recusavam-se a sair de lá por amor ao lugar que habitavam há dezenas de anos e, mesmo “convidados” a se retirarem do local, nunca foram devidamente indenizados pelas terras.

Quem teve a honra de conhecer esse casal vai lembrar da extrema hospitalidade com que era recebido, da coleção de facas do Seu Marçal e das meias, ponchos, mantas e cobertores confeccionados por Dona Maria num tear gigantesco de parede inteira.

O fio de lã sendo tecido na roca manual e as ovelhas pastando tranquilas ao redor da casa, coniventes com aquela vida pacata e totalmente integrada com a natureza.

Seu Marçal e Dona Maria cuidaram e conservaram o local até os últimos tempos em que lá viveram, como verdadeiros ambientalistas atávicos.

Depois do Itaimbezinho, conheci os cânions da Fortaleza, Malacara, Índios Coroados, Churriado e Molha-Coco. Vários deles já não permitem acesso ao público. Meu coração ambientalista urbano me fez retornar incontáveis vezes e em diferentes épocas do ano para receber a força e o encanto dos aparados da serra. Um verdadeiro santuário ecológico.

Os cânions agora estão em processo de concessão à iniciativa privada. De um lado, vem a expectativa de melhoras para o povo local e de que se intensifique a preservação. De outro, a apreensão de que tentem transformar os aparados em mercadoria e que não haja santos para expulsar os vendilhões do templo.

A esperança que pulsa é a de que, com todas as informações que já se sabe sobre os impactos ambientais sobre o Planeta, com toda a crise climática e com a crescente extinção das espécies, surja uma nova consciência coletiva sobre a forma de ocupação de espaços naturais.

Hora de aprender a lição do poeta naturalista Henry Thoreau, que ainda no século XIX ensinou: “é no intacto que está a preservação do mundo”.

Compartilhe

Vera Mari Damian

Vera Mari Damian

Jornalista, ambientalista e produtora cultural

Também pode te interessar

blog photo

O corpo mente

O corpo mente para a gente, e a gente mente para ele. No fim, está todo mundo se enganando, e isso afeta até decisões importantes na sociedade

Luis Felipe Nascimento

Luis Felipe Nascimento

blog photo

Indústria fóssil do carvão e do petróleo são sócias da tragédia climática gaúcha

Plano de transição energética foca nas indústrias mais poluentes do mundo

 Juliano Bueno de Araújo

Juliano Bueno de Araújo

blog photo

A dor invisível que dói em dobro

Se alguém não pode se afastar do trabalho por problemas de saúde mental, então um jogador de futebol não poderia se afastar por uma lesão no joelho

Luis Felipe Nascimento

Luis Felipe Nascimento

simbolo Bem Estar

Receba conteúdos que te inspiram a viver bem

Assine nossa newsletter e ganhe um universo de bem-estar direto no seu e-mail