A dor invisível que dói em dobro

Se alguém não pode se afastar do trabalho por problemas de saúde mental, então um jogador de futebol não poderia se afastar por uma lesão no joelho

Luis Felipe Nascimento

Luis Felipe Nascimento

01/07/2025
A dor invisível que dói em dobro Freepik/NBE

3 min de leitura

Há uma ferida que ninguém vê, mas que consome vidas em silêncio. Uma dor que não deixa marcas na pele, mas que dilacera a alma. O Brasil já foi campeão mundial em acidentes de trabalho. Hoje, é um dos líderes em mortes no serviço, mas tem algo ainda mais silencioso e devastador: o adoecimento da mente.

Atualmente, 72% dos brasileiros estão estressados no trabalho e 32% sofrem de Burnout (aquele esgotamento que não é cansaço, mas um vazio que corrói). Temos 11,7 milhões que lutam contra a depressão e 38 vidas se perdem para o suicídio todos os dias.

O sofrimento não escolhe profissão. Não é mais só o “trabalhador braçal” que se afasta. O chefe, o gerente, o colega da mesa ao lado… todos podem estar tão sobrecarregados e doentes da alma que precisam parar.

E sabe o que é mais cruel? Assim como sabemos que barulho alto destrói a audição, o estresse constante, o assédio e a humilhação destroem a saúde mental. Mas ainda tem quem pense: “Será que não é ‘corpo mole’?”

A jornalista Izabella Camargo faz uma comparação que corta como uma faca: “Se alguém não pode se afastar por problemas de saúde mental, então um jogador de futebol não poderia se afastar por uma lesão no joelho”. Sofrimento mental é doença real!

Controle

De onde vem tanta pressão? Lembro de empresas nos anos 90 com banheiros em locais bem visíveis, com luzes vermelhas no lado de fora da porta, que indicavam quanto tempo o empregado havia permanecido lá dentro. Uma humilhação. Hoje? Tem empresa que monitora cada segundo que você não mexe no teclado/mouse enquanto trabalha no home-office. O controle mudou de roupa, mas a sufocação continua.

E o pior pesadelo? O pensamento suicida. É um grande problema de saúde pública. No Brasil, os homens são 77% das vítimas. No meio acadêmico, especialmente em Medicina, 17% dos alunos já tiveram esses pensamentos. É assustador! Por isso existem campanhas como o “Setembro Amarelo” e o “CVV” (188), um salvador de vidas por telefone, chat ou e-mail.

Se a dor humana não comove, talvez o bolso comova: o Brasil gasta 200 bilhões por ano com afastamentos por problemas mentais. Em 2023, o Ministério da Saúde gastou mais de 30 bilhões só em tratamento destas doenças. Uma pequena parte destes custos é paga pelas empresas e, a maior, pela sociedade.

Izabella Camargo, numa palestra emocionante, falou da “dor que não sangra, dói em dobro” para falar dos casos das pessoas que estão com problemas relacionados a sua saúde mental e que, além da dor, precisam enfrentar a desconfiança das demais, o que lhes faz sentir culpa e vergonha do que estão sofrendo.

Mas então, o que fazer? Precisamos de “EPIs para a Mente! Equipamentos de Proteção Individual e Coletiva”. Para as empresas: “Segurança Psicológica” (o direito de errar, de dizer “não sei”, de ser humano). “Líderes que Sabem Liderar” (chegou a hora de treinar gestores para lidar com empatia, não com pressão). “Direito a Desligar” (ninguém deveria ter a vida invadida por mensagens após o expediente. A França e a Austrália transformam isso em lei. E nós?)

Para cada um de nós: “Terapia” (não é luxo, é manutenção da vida). “Faxina da Vida” (cortar o que pesa – relações tóxicas, cobranças irreais, a culpa que não nos pertence). “Educação Financeira” (porque dívidas não são só números, são noites sem dormir).

Aprendi que cuidar da mente deveria ser tão natural quanto escovar os dentes. Há 300 anos, quase ninguém escovava. Hoje, é hábito. Precisamos transformar o cuidado com a saúde mental em um ritual diário, não só nas crises, não só no Janeiro Branco. Porque a saúde mental afeta tudo na nossa vida, e tudo na nossa vida afeta ela.

Chega de normalizar o sofrimento. Chega de achar que aguentar tudo é virtude. Se você está cansado, não espere o colapso. Fale. Peça ajuda. Exista sem culpa. E se alguém chegar até você com o coração em pedaços, não duvide. Acolha. Porque, no fim, o que mais mata não é a queda, é o silêncio que a precede.

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Luis Felipe Nascimento

Luis Felipe Nascimento

Luis Felipe Nascimento é professor na escola de Administração da UFRGS.

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