A COP e o petróleo nosso de cada dia

. A maior parte da geração de energia no mundo vem dos combustíveis fósseis, incluindo carvão. O que podemos fazer, diante da crise climática?

Sílvia Marcuzzo

Sílvia Marcuzzo

10/12/2023
A COP e o petróleo nosso de cada dia AdobeStock-NBE

5 min de leitura

Do petróleo vem o plástico, o PVC, o polipropileno, uma infinidade de produtos. Tecidos, borrachas, um mundo de substâncias que servem para várias coisas. A maior parte da geração de energia no mundo vem dos combustíveis fósseis, incluindo carvão.

O que está em jogo na Conferência do Clima da ONU, a COP28, é justamente o que fazer para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) provocadas pela queima dos combustíveis fósseis. Só que embora cada ano há cada vez mais comprovações do quanto temos pouco tempo para tentar diminuir os impactos do aquecimento acelerado do planeta, têm aumentado o lançamento de GEEs por quem mais polui.

Recorde de lobistas pró petróleo na COP

É dramático acompanhar os apelos, especialmente de países mais afetados, inclusive de habitantes do Brasil, que já sentem o efeito da crise climática. Estou acompanhando algumas pessoas que estão em Dubai. É patético. Tanta coisa só para inglês ver.

Nunca se teve tanto lobista a favor do petróleo. Conforme o levantamento da coalizão Kick Big Polluters Out, divulgado pelo Observatório do Clima, para sete lobistas fósseis há um indígena. A participação de apoiadores dessa indústria subiu de 636, da COP do ano passado para 2.456! Ou seja: o número é 7.7 vezes maior do que o de representantes oficiais de indígenas.

Enquanto isso, o Brasil, que ocupa a sexta posição entre os maiores emissores devido ao desmatamento – não porque explore fósseis – anunciou um leilão de blocos para exploração de petróleo em vários pontos do litoral. A Petrobras, que poderia ser uma grande influenciadora para a transição energética, continua investindo no modelo de desenvolvimento do século passado.

Não sei se já fizeram o cálculo do quanto se ganha e o do quanto se perde entre explorar, beneficiar e queimar petróleo e o tanto de desgraça que vem acontecendo com eventos extremos, como calorões, enxurradas e enchentes.

Também não deve ter como computar o impacto na saúde mental, as mortes e os prejuízos de toda ordem dos atingidos. Vale lembrar, que até o momento, o ano mais quente da história foi o atual, 2023, segundo o Observatório Climático Mundial. E neste ano, o Rio Grande do Sul sofreu com ciclones, enxurradas, estragos jamais vistos na história da Província de São Pedro.

Arte: @arvoreagua.org

Então, nós, reles e insignificantes moradores do Sul Global, o que podemos fazer diante desse quadro? Vamos continuar alimentando essa indústria trilionária? Precisamos saber que já contamos com muitas iniciativas que vem apontando caminhos para se diminuir o impacto do uso de tudo que é produzido com o petróleo.

Primeiro, é importante saber que nem tudo que se vende como ecológico, realmente é. Roupas feitas com a matéria-prima reciclada de garrafa PET, por exemplo, soltam micro plástico durante a lavagem. Viram pedacinhos muito pequenos de algo que pode acabar entrando na cadeia alimentar da fauna. Fui descobrir isso poucos anos atrás.

Isso quer dizer que os derivados do petróleo causam impactos muito além da emissão de gases. Sem falar do tanto de gente – amigos, familiares meus inclusive – que tem morrido de câncer e não se sabe como a doença se originou. Temos muito a descobrir nas nossas entranhas.

Greenwashing

Se é certo que o clima vai piorar – infelizmente estamos acelerando rumo ao precipício – devia ser obrigatório que as prefeituras estivessem preocupadas em plantar árvores, recuperar as margens de rios, se adaptar ao calor e aos eventos extremos. Mas não, o que vemos é greenwashing, climatewashing com requintes de insanidade.

Dá uma reviravolta no estômago ver representantes das três esferas do governo estarem usando o nosso dinheiro para viajar para lá para fazer sabe-se lá o quê, enquanto aqui há tanto o que fazer.

Precisamos parar de promover efeitos de poucos minutos e pensarmos no que vamos deixar na natureza em eventos ou em outros momentos que queremos impressionar.

Esses dias, estive em uma exposição de arte cujo tema central era provocar reflexões sobre mitos, nós e a natureza. Só que a proponente das instalações explodiu um balão surpresa cheio de purpurina. As crianças amaram. Os adultos também. Eu saí de lá cheia de pontos brilhantes. Esses zilhões de micro pedaços depois foram levados para a rua! E logo depois veio uma chuva… Adivinhem onde foram parar?

O cenário espetaculoso e luxuoso da COP precisa ser conectado com o que está acontecendo aqui no Brasil. Efeitos das mil e uma noites seduzem todos que andam por lá, inclusive ambientalistas que se exibem em fotos, lives em redes sociais. Muitas empresas brasileiras que provocaram danos irreparáveis figuram nas reuniões e eventos.

A Braskem, que provocou um gigantesco dano socioambiental em Maceió, por muitos anos, foi a patrocinadora da Virada Sustentável em Porto Alegre. Também financiou projetos, inclusive um caderno do jornal Zero Hora chamado Nosso Mundo Sustentável, do qual fui uma das conselheiras editoriais tempos atrás.

Só que embora esse problema seja conhecido há mais de uma década, apenas agora que o caso vem recebendo alguma atenção da imprensa nacional e internacional. A B3, bolsa de valores brasileira, comunicou essa semana a exclusão da Braskem de seu índice de sustentabilidade empresarial, após colapso em mina da empresa em Maceió.

Mudança pessoal

As indústrias petroquímicas, de fertilizantes, do petróleo estão entranhadas no nosso cotidiano. Desconheço alguém que não use plástico. A gente evita. Mas serve para muita coisa. Se precisarmos ser hospitalizados, estaremos rodeados de coisas de plástico. Hoje o ponto central é usar para o que realmente precisa, e não por momentos fugazes.

Tudo isso para dizer, que enquanto se empenha para reduzir o desmatamento, precisamos também valorizar as soluções que a natureza nos proporciona. Vi esses dias um vídeo no Instagram de uma cabelereira usando folha de bananeira para fazer mechas em uma cliente. Mil vezes melhor que folha de alumínio!

Usar roupas de algodão orgânico, consumir alimentos de feiras ecológicas, sem veneno, produzidos perto de onde moramos são alternativas aconselháveis para quem quer ajudar a saúde tanto da Terra quanto das pessoas que os produzem. E olha que hoje temos muito mais opções que poucos anos atrás.

Talvez essas dicas sejam irrelevantes para muitos. Mas se você, que me lê, sacou o que representa para o planeta e para o seu corpo e mente tomar cafezinho em copinho de plástico descartável, já fico feliz.

O pano de fundo é entrelaçado por questões éticas, de reponsabilidade e consciência. O processo de mudança precisa estar instalado dentro de nós.

Publicado originalmente no Sler

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Sílvia Marcuzzo

Sílvia Marcuzzo

Sílvia Marcuzzo é jornalista, "artivista" e participa de coletivos e redes onde procura articular ações e disseminar informações sobre como a comunicação se relaciona com a sustentabilidade. Instagram @silmarcuzzo

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